sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Silêncios

Ouvi em uma música, certa vez, a seguinte frase:

“Palavras e silêncios que jamais se encontrarão...”

Se não me falha a memória é do Zeca Baleiro e do Fagner (para dar os devidos créditos e não me acusarem de omitir citações às devidas autorias).
Nunca uma frase disse tanto sobre falar e calar.

Quem cala opta por não falar, mas marca, ainda assim, uma posição. É o famoso “quem cala consente”. Temos sempre duas opções: ou falamos, ou calamos e ambas não passarão em branco.
Certas vezes o melhor é calar, deixar como está, seguir em frente, tocar adiante...passa!
Às vezes é preferível falar, cuspir, deixar sair tudo que engasga, que tranca, que sufoca, porque em demasia mata...

Qual a melhor opção em qual momento? Qual a melhor decisão? Existe?
Há silêncios que gritam, nenhuma construção em palavras seria capaz de exprimi-los tão bem... e nós, muitas vezes, não conseguimos ouvir. Ensurdecemos! Precisamos da palavra, do dito, precisamos fazer com que o estímulo sonoro aguce nosso tímpano, chegue ao nosso cérebro e o faça funcionar...ou não!

O não falar, o vazio de palavras deixa sempre no ar a possibilidade de ter existido outras representações. 'Será que não poderia estar oculto naquele silêncio uma outra versão, uma outra informação? Será que eu entendi exatamente o que aquele silêncio quis dizer?' Como pode um silêncio querer dizer algo? Pode. E, quando diz, diz alto e diz firme. Diz não, diz sim, diz tchau, diz voltei, diz chega, diz desculpa, diz tarde demais, diz o que não se pode ou o que não se quer dizer...diz tudo.

Existem momentos em que calar é, de fato, a melhor opção. Não há palavras que caibam em determinados silêncios, não há tradução para eles – sejam de dor ou alegria. Talvez por isso as palavras e os silêncios jamais irão se encontrar. Possibilidade vetada.

O silêncio pode ser a ceifa, mas pode também guardar a esperança. Traiçoeiro. Enigmático, mesmo na mais franca objetividade. Guarda sempre um ar de mistério, de não-saber, de oculto, para quem quiser entendê-lo assim. Deixa no ar tudo, sem deixar rastros.

Assim é... sabendo ouvir os silêncios alheios e sabendo falar os nossos podemos recolher as palavras, quando elas não se fazem necessárias, deixar de lado o relato fraseado do óbvio, deixar de lado a recusa em entender o dito, mesmo sem ter sido dito.
Na dúvida, melhor deixar quieto, ficar quieto...não ultrapassar.

E a vida segue até que as palavras surjam novamente, quebrando a pausa, gritando em voz alta – mas que sejam verdadeiras, fortes e façam valer o que desejam realmente dizer.


Keep your clever lines
Hold your easy rhymes
Silence everything
Silence always wins
It’s a perfect alibi
There’s no need to analyze
It will be all right
Through the longest night
Just silence everything
(A-HA - Foot of the mountain)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Seja bem-vindo!


- Oi tudo bem? Pode entrar, fica à vontade. Não! Não senta aí! Quer dizer, senta...ah, sei lá! Sente-se onde quiser. Só tira as roupas de cima da poltrona, ficará mais confortável! Não deu tempo de colocar os livros no lugar, afinal os dias tem sido de uma grande correria. Acho que precisava de umas 5 horas a mais a cada final de tarde. Cansada? Eu? Não...quer dizer, sim, às vezes. Dormir? Tenho dormido bem...dizem que quanto mais idade menos sono as pessoas precisam, né? Durmo umas 5 horas, tá bem assim? Não? Cinco horas seria bom se eu estivesse com 70? Humm...é...tens razão! Ah, mas nisso se dá um jeito. Dorme-se quando pode. Quer conhecer a casa? Não tenho muito o que apresentar de novidades. Tem algumas coisas que terás que ajudar a pôr em ordem. Há uma mudança toda por fazer em breve e alguns consertos também. Lembra do quadro na parede, pois é...as fotos seguem ali...é mural que chama, né? Isso! Seguem ali. Segue também o espaço vazio. Quem sabe tu não podes ajudar a preencher, pois acho que sabes para quê serve ele. Estou tentando deixar tudo mais clean e arejado, sabe? Amplo? Aberto? Claro? Cheio de luz e sol? É, bem lembrado! Amo o sol! Mas não adianta...tu sabes que levar o carro para lavar é prenúncio de chuva na certa. Pode ser aos 28, aos 29 ou aos 50, 69, 76...vai ser sempre assim! Aqui ficam as contas, ali, na outra gaveta, papéis de toda ordem. Os sonhos? Estão por todos os cantos. Dá para respirar sonhos aqui! Só não voa! Qualquer coisa tem uns halteres no chão...são para exercícios, mas se precisar voltar para a realidade, amarra-os nos pés, sem medo! Aqui alguns livros que devem ser lidos nas próximas férias de verão, ali os remédios da alergia, ali os cobertores para o final do inverno. Estás acompanhando? Se eu tiver que ir com mais calma me avisa, ok? Não sei se te sentes mais cansado ou se ainda estás com tudo em cima, como eu! Se bem que já estive melhor, logo que comecei! Calma, por sinal, é algo a ser cultivado mais em umas situações e menos em outras. Não se acostume demais com coisas que não estão sendo profícuas, mas sigas sabendo dar as chances necessárias para que as distorções possam ser corrigidas...sem o quê? Sim, sim! Sem exageros! Ali é o livro de culinária, os amigos gostam! Ah, quanto à família e aos amigos...saibas cultivar todos e cada um, certo? Uns precisam de água diariamente, outros semanalmente, eles são diferentes. O fato é que a casa deve estar sempre aberta para recebê-los. Se o lugar é iluminado, muito disso deve-se a eles, a todos eles! Quando não estiver tudo bem? O que acontece? Ah, os amigos saberão, certamente. Bom, nestes dias feche as janelas e dê um tempo do mundo. Mas não estranhe se algum deles vier correndo bater na porta! Eles são bem atentos. A família vai, sim, se reunir em torno da mesa e da tv. Eles gostam disso. Gostam de fotos também! Bom, em linhas gerais, acho que era isso que precisavas saber para começar, né? Tens alguma pergunta? Muitas? Ah, certo! Bom, mas é normal para a primeira semana. Provavelmente terás muitas dúvidas também. Olha, se precisares qualquer coisa, podes perguntar...tentarei ajudar no que for possível. Naquilo que eu já souber responder. Para outras tantas coisas acho que vais ter que procurar as respostas! Ah...desculpe perguntar novamente seu nome... Vinte e nove? Muito prazer! Seja bem vindo!

domingo, 19 de julho de 2009

Combos!


Já perceberam a popularidade da expressão Combo? Pois é...esses dias estava pensando nesta palavra. Antes dela surgir eu sequer sabia o que era. A primeira vez que ouvi foi com a NET...NET Combo, tudo em um só pacote: telefone, Internet e TV a cabo. Perfeito. Grande sacada! Então achei que Combo era vinculado à NET e só isso. Qual não foi minha surpresa ao ver a palavra em outro contexto, na fila do cinema. Combo: pipoca grande + refri + chocolate. Sim! Existem Combos em cinemas também. Mais um 3 em 1. Tudo em um só pacote. Perfeito, de novo! Não que eu goste de pipoca, mas tem seu valor comprar tudo junto por um preço reduzido.


Então comecei um questionamento mais profundo...por que será que outras coisas não podem também vir em Combos? Seria tão mais prático se na vida tivéssemos Combos nas mais diversas situações. Pensem comigo. No trabalho: problemas + soluções + aprimoramentos da situação. Seria um Combo profissional. Problemas haverão de existir sempre, mas eles poderiam vir com soluções, no pacote, e ainda aprimoramentos – teríamos, então, nosso devido reconhecimento pelo nosso Combo adquirido, ou constatado. No terreno amoroso: companheiro(a) legal + fiel + sincero? Ou então sair com alguém que seja bacana + ligue ou atenda o telefone no dia seguinte + não suma de repente no decorrer do percurso. Seria um kit básico, podendo ter upgrades no decorrer do caminho. Para as mulheres: já pensaram um pacote básico de mãos + pés + depilação por preço reduzido? Para os homens: currasco + cerveja + futebol, sempre os três andando juntos? Tudo pode ser transformado em um Combo. Um primeiro encontro legal: risadas + barzinho ou janta + boa sintonia? Seria um encontro Combo! Um domingo bacana envolveria parque + chimarrão + sol. Domingo Combo! Um dia de chuva: cama quentinha + filme + boa companhia. Dia de chuva Combo! Tudo na vida pode ser Combo.



A palavra, que me perdoem seus idealizadores, é feia pacas! Combo, oras! Mas ela é um reflexo das nossas necessidades aglutinadoras. Vamos juntar tudo! Colocar tudo em um mesmo pacote e baixar o preço, ou ter vantagens com isso. Ah, seria muito bom esses Combos últimos! Pena que impossíveis, alguns impraticáveis...



Além disso, talvez existissem os Combos do azar também, aqueles que acontecem nas nossas vidas esporadicamente, ou não. Tenho um amigo que se considera um azarado-mor. Aquele cuja Lei de Murphy pode ser aplicada a cada passo! Diz ele que se fosse dono de um circo a mulher gorila teria queda capilar, o anão cresceria e o equilibrista sofreria de vertigem. Combo do azarado! Tem aquela trilogia: nada dá certo + você tenta consertar + fica pior ainda. Combo do desastre, na certa! Não cairíamos na ingênua ilusão de que em existindo Combos eles trariam apenas as coisas boas em pacotes, né?



A mim agrada a idéia...mas desagrada também, já que Combos não permitem maior flexibilidade. E se eu quiser só a pipoca? Às vezes ela é mais cara sozinha do que no tal Combo...inferno isso! E se eu quiser só a TV? E se eu quiser apenas um dia de chuva? Apenas um chimarrão? Apenas o churrasco? Não dá... o modelo Combo vem sem separações! Vem com todos os opcionais aglomerados. Combo é combo e ponto! Sendo assim, melhor mesmo é que os Combos não ganhem muito mais espaço...tenhamos nós a liberdade de escolher itens a granel!

Descaminhos...


Fazia um breve tempo que estavam saindo. Gostavam de estar juntos e o tempo que compartilhavam era peculiar. Um tempo único, talvez até uma parada no tempo, no qual nada mais havia...apenas eles, beijos e a vontade daquele instante. Saiam apenas, e era isso! Sem promessas, sem ontem e, também, sem amanhã. Simples assim. Nem lembravam bem, ou sequer sabiam, o que os havia unido. Talvez gostos em comum, músicas, uma dança...talvez nada disso. Quem sabe justamente as diferenças, aquelas coisas que um tem e o outro não, que um faz mais e o outro menos, que um carece e o outro tem de sobra? Mas nada disso importava, a não ser o fato dos instantes que estavam juntos. Estes se sucediam. Entre os instantes não precisava haver nada. Nada havia. Os instantes em si é que eram apreciados.

O tempo, sempre ele, foi passando. Aqueles breves instantes foram se assentando de formas diferentes para cada um deles. O que antes era fácil de entender passou a ficar um tanto difícil. Não se pode, de fato, reproduzir os instantes por um longo tempo sem que isso tenha uma repercussão. Assim, já não sabiam mais se de instantes seguiriam, sem ontem nem amanhã, ou se isso incomodava. Não tocavam no assunto. Os fatos objetivos e concretos que os unira ainda poderiam ser vislumbrados ali: a música, alguns gostos, alguns jeitos, as risadas, as implicâncias provocativas que aproximavam-nos. Mas o tempo introduziu, não se sabe em qual deles, a vontade de sentir menos instantaneamente os outros fatores...o cheiro, o sorriso, a pele, a voz, o toque, o frio na barriga. Breves instantes pareciam bons, mas não eram mais suficientes. E o amanhã? E o ontem? A vontade de que os instantes ocorressem mais freqüentemente foi crescendo...não se sabe se nele ou nela. Mas não se falavam. Não sabiam se a recíproca era verdadeira, se encontraria eco no outro, se desejavam as mesmas coisas. Talvez não.

Os contatos se afastaram na tentativa de fazer prevalecer os instantes. Mas nada parecia estar igual. Como saber? Nenhum falaria, nenhum queria falar. Só que as ações são traiçoeiras e falam mais que palavras, muitas vezes. Muitas vezes, sozinhas, falam errado, comunicam distorções. Não se sabe se ele ou ela começou a ficar com receio de demonstrar o que realmente sentia. Melhor era deixar assim. Quieto. As pequenas tentativas de mostrar uma faísca de verdade do que era sentido, muito sutilmente, não haviam sido bem sucedidas. Nunca souberam se a recíproca era verdadeira. Poderia não ser, e isso certamente doeria. Aparentemente não era. Aparentemente. Não era. Era? Não se sabe se ele ou ela pensou que seria melhor evitar a dor. Recolheram-se.


Não existe fim...existem reticências. História comum, lugar comum...história de qualquer um. História que se repete, mais para uns, menos para outros. Finais diversos. Depende. Como diz a frase: a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida. Pode haver reencontros também. Assim é. Pena que não se falaram, pena que, não se sabe se ele ou ela, ficou com a sensação de não ter sido bem recebido ao demonstrar o que sentia. Pena que recuaram. Recuaram? Ou não. No fim ainda as reticências... e Clarice Lispector:

“Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos”.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Tempo


6:40. Toca o rádio. Anuncia-se 7 graus de temperatura. Que dia é hoje? Sábado? Não. Segunda? Tenho que acordar agora ou posso ficar mais um pouco? Se for terça posso ficar mais um pouco. Ai meu Deus...que dia é? Pensa. Acorda! Segunda. Hoje é segunda, sem dúvida. Vamos lá! Café no escuro, tentando entrar em contato com a realidade. Coisa mais insuportável pessoas querendo discutir ou fazer grandes reflexões matinais. Não! Café é em silêncio e no escuro. Depois o resto dos afazeres até sair de casa. Frio. Sair de casa no frio é muito pior! Sai fumaça do nariz. Neblina, mãos congeladas, pés duros. Lá vamos para mais um início de dia e de semana. Repassando rapidamente os afazeres e locais onde preciso ir, chego mentalmente às 21hs. Como eu quero que chegue logo as 21hs. Daí volto para casa e fico quentinha!

Terça, quarta, quinta, sexta. Já acabou? Sim. As semanas passam voando. Engraçado que quando eu era menor parecia que demorava uma eternidade para o tempo passar. Onze anos no colégio, ou isso em média, como alguém consegue? E é tão demorado quando está acontecendo. Depois fica tão longe. Hoje o tempo voa. Ontem era março, já estamos no meio de junho. Incrível! E ainda preciso fazer tantas coisas...há tantas pendências!

E assim se percebe que o tempo é relativo. Tem momentos em que corre solto, desliza, voa. Em outros empaca, tranca, para. Como isso? Assim mesmo! Esteja certo que se você precisa fazer muitas coisas o tempo vai voar e você vai ter que correr. Se estiver esperando alguma coisa ele vai parar e você vai ter que ter paciência. E quanto mais coisas fazemos mais achamos tempo para fazer mais coisas. Confuso? Não, real. Por outro lado, quanto menos ocuparmos nosso tempo, mais complicado será para agendarmos algum compromisso...tudo parecerá difícil e complicado. Tempo complexo!

Quando a gente se dá conta passam-se dias, meses, anos. Às vezes precisamos reordenar os planos para o tempo. Em geral isso acontece nos finais de ano – ‘resoluções de Ano Novo’. Quem não faz? Neste ano eu vou achar mais tempo para tal coisa, vou me organizar para fazer x, y, z, vou começar a nadar, fazer línguas, entrar naquele curso. Ilusoriamente o dia primeiro de janeiro serve para esta sensação de tempo que começa. Mas eu fiz isso em janeiro e já estamos em junho! Sequer consegui cumprir metade das coisas que pensei! Na verdade, já nem lembro mais o que pensei... O tempo também tem a prerrogativa de transformar os pensamentos, mudar o rumo, incorporar novos desejos. Algumas coisas permanecem no tempo, sobrevivem, outras não. O bom é que o tempo sempre nos dá tempo para mudar. É possível corrigir rotas, rever conceitos, mudar o caminho.

Às vezes, o tempo também resolve enlouquecer. O passado invade o presente, bagunça tudo. Ou o futuro se antecipa, criando expectativas desnecessárias. Perdemos o tempo, por vezes, ou nos perdemos nele! Tempo traiçoeiro! E aí? Faz-se o que com ele? Tenta-se achar um equilíbrio, usá-lo a nosso favor. Que possa ser bom o suficiente para nos fazer aproveitar as oportunidades, curar algumas feridas, matar tantas saudades, realizar diversos desejos, concretizar sonhos. Que não seja mau a ponto de atropelar o caminho, fixar conceitos, enraizar condutas, nos perder.
O tempo não para! Também nós não podemos parar. Tempos alheios se encontrarão com o nosso, ou não. Quando os tempos estiverem sincrônicos, poderá surgir um tempo em comum – entre amigos, familiares, amores. Mas os tempos também podem ser divergentes, concorrentes. Vicissitudes! Não se pode fazer nada além de deixar o tempo passar.

Bom mesmo é que cada um ache o seu tempo, da sua maneira e aproveite as coisas boas que ele conserva e as surpresas que traz. Passando rápido ou devagar, o tempo sempre guarda espaço para o que já foi e para o que virá. Território de lembranças e esperanças, que nele se encontram. Assim passamos o nosso tempo, ou ele vai passando...correndo macio, espera-se!

domingo, 31 de maio de 2009

Testemunhas


Vai se aproximando o dia dos namorados e estouram as promoções nos shoppings e as propagandas e outdoors por todos os cantos. Não se vê muito mais além de corações enfeitando vitrines, músicas, saudações especiais nas entradas de restaurantes e frases declarativas.


Em meio ao clima e a tantas frases clichê uma me chamou a atenção...nem sei se foi por ocasião do dia dos namorados, data estritamente comercial, ou se foi em algum filme, livro, ou se alguém me contou...já não lembro mais! O fato é que dizia algo do tipo: as pessoas desejam um companheiro, um namorado, um amor, porque precisam se assegurar de que haverá alguma testemunha para a sua existência nesta vida.


Parece meio simples, e até egoísta, mas fiquei com esta frase na cabeça, tentando destrinchá-la melhor. Percebi, então, que é bastante verdadeira. Somos seres sozinhos por natureza. De uma visão bastante pessimista, nascemos e morremos sozinhos. Neste entremeio a vida acontece. É o recheio, a tal existência. Passado o período inicial, no qual temos nossos pais, irmãos e familiares como companhia mais próxima, saímos em busca de alguém que possa nos completar, a nossa tal testemunha.


A busca é bastante pessoal: uns levam anos procurando até encontrar a outra metade da laranja; outros levam anos, mais anos, mais anos e nunca encontram; uns pensam ter encontrado e se surpreendem ao ver que a busca precisa ser reiniciada; outros insistem em dizer que não querem encontrar, que acham desnecessário, outros tantos pensam que jamais encontrarão e, quando se dão por vencidos, tudo acontece subitamente...enfim os caminhos são inúmeros e as possibilidades diversas. Mas o ponto é comum: a testemunha! Por que mesmo?


Eis a questão. Porque é bacana a idéia de ter alguém que nos conhece tão bem a ponto de entender nosso humor a quilômetros de distância; porque é legal poder compartilhar as minúcias de todo dia; porque é bom saber que existe alguém que conhece nossas manias e nossas idiossincrasias e as aceita, a despeito das estranhezas; porque é tranqüilizador saber que alguém, na nossa ausência, saberia responder sobre nossos gostos e dizer qual nosso prato predileto ou filme marcante; porque é único aquele alguém que tem um cheiro especial, que se consegue evocar até na ausência; porque é a certeza de um colo reconfortante para chorar, descansar, repousar ou, simplesmente, ficar em silêncio; porque é, também, a certeza de companhia agradável, risadas, grandes bate-papos e beijos de bom dia e boa noite, dentre outros; porque é alguém que pode nos dizer as piores verdades e fazer as críticas mais severas sem que isso signifique desprezo; porque é o abraço mais acolhedor; porque é alguém que briga, xinga, fica com raiva, mas que acredita ser possível contornar os problemas; porque, acima de tudo, é alguém que também nos escolheu como testemunhas de sua vida, de sua existência.


Assim, sabemos que não passaremos a vida em vão. É claro que amigos também são testemunhas de nossa existência, mas não há nada como aquele alguém especial. Dizem que as pessoas conseguem saber quando encontram e, dizem também, que encontram quando menos esperam, nos lugares mais improváveis e desobedecendo todas as prerrogativas traçadas anteriormente. É o puro acaso.


Não interessa a forma, apenas o fato de que em determinado momento das nossas vidas, mais cedo para uns, mais tarde para outros, uma testemunha parecerá interessante! Ela assinará conosco os projetos mais absurdos e sua presença será garantia de que, no entremeio da vida, haveremos de ter a sensação de não estarmos sós! Como mostrava no filme (sim, lembrei! Vi esta frase da testemunha em um filme!): uma testemunha, e apenas ela, poderia lhe dizer ‘sua vida não passará despercebida, pois eu a perceberei em todos os momentos’.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Às vezes o ON some...


Eu sempre achei engraçada a relação professores/tecnologia. Confesso que sentia vontade de rir quando ia assistir a uma aula na qual o professor usaria o data show, ou dvd ou vídeo cassete (quando eu estava no colégio). Eles nunca, mas nunca sabiam mexer nos botões. Era patético, pois sequer sabiam ligar a tv. Ficava pensando: ‘como eles fazem em casa? Justamente lá, onde não tem os técnicos de suporte que as escolas ou universidades oferecem’? E gastava-se nisso uns bons 15 minutos da aula.


A dinâmica era simples: desde o anúncio ‘pessoal, vamos ver um filme’ até a constatação de que a tv não estava funcionando bem – pois não ligava e ficava mostrando aquelas mosquinhas na tela – e o pedido ‘Joãozinho vá lá chamar o cara do audiovisual’, passavam-se uns 8 minutos. Os outros 7 ficavam por conta da locomoção do funcionário até a sala de aula. E o melhor era ver a facilidade com que o cara do audiovisual arrumava uma solução. Ele apertava o ON! Simples assim! Indolor! E a imagem se fazia! Essa parte era meu deleite sádico...não sei por que, mas achava aquilo tudo muito engraçado. Os professores pareciam seres com dificuldades tecnológicas, talvez excluídos digitais.


Nada como um dia após o outro. Se eles pudessem ler meus pensamentos naquela época, hoje, certamente, o deleite sádico estaria ao lado deles. A questão toda é que fui usar o data show estes dias em uma aula. Liguei tudo antes, ajeitei e estava super tranqüila, afinal eu não era uma excluída digital. Tudo pronto, bastava inserir o dvd na hora de passar o documentário, apertar no play e era isso! Pelo menos era isso que deveria ser. Quando chegou esta parte, a de inserir o dvd, quem disse que eu achava o eject para abrir a bandejinha? Sequer achava a bandejinha! Sumiu tudo! Para falar a verdade, nem o play eu encontrava. E logo me veio aquela imagem na cabeça...a dos meus professores que não sabiam mexer com a tecnologia. Mas eu não me daria por vencida, lutaria até o final, sem me entregar!


Olhei, olhei, olhei...mas não estava ali. Sequer o ON eu achava de novo. Aquele maldito círculo cortado ao meio por uma pequena linha vertical havia desaparecido! Deve haver algum tipo de situação extraterrena que faz com que os botões simplesmente fujam quando os professores se aproximam deles. Pior! Eles fogem bem na hora em que 45 pares de olhos te fitam fixamente, esperando pelo filme prometido. E eu pensava secretamente que muitos dos alunos deviam estar pensando que eu era uma analfabeta digital. Deviam, também, estar se perguntando ‘como ela faz em casa? Como liga a tv ou o computador’? Em minha defesa queria poder gritar ‘eu sei fazer isso, tá bom? Só estou tentando achar os botões!’. Sou capaz de jurar que naquele momento sequer haviam botões naquela aparelhagem toda! Eles saem correndo e se escondem, só retornando na presença do funcionário do audiovisual.

Comigo, é claro, não foi diferente. Passaram-se os 15 minutos entre a constatação dura e difícil de que eu não estava conseguindo fazer algo que já fizera mil vezes antes e o funcionário do audiovisual acertar tudo para mim, com aquele risinho de canto de boca. Tenho certeza que é ele que fica de conchavo com os botões...certeza! Ou, se não é ele, são todos os meus professores dos quais algum dia eu ri por não saberem achar o ON. Nada como estar do outro lado do aparelho!

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Quando ter uma mala?


Pense comigo...desde que nascemos temos mochilas, certo? Nossas mães já carregavam nossos bicos, fraldas, ursinhos, agendas da creche, chocalhos e apetrechos mil em uma mochila. Apenas uma digressão: pobres mães...! Levam as coisas delas e as nossas...às vezes só as nossas com as delas dentro. Saem às ruas vestidas com suas roupas de trabalho, carregando ursinhos, lacinhos ou carrinhos estampados em sacos a tiracolo! O fato é que neste momento da vida uma mochila é praticamente indispensável.
Quando vamos para a escola, as fraldas, bicos e apetrechos dão lugar aos lápis, cadernos, estojos, canetinhas...mas tudo isso ainda cabe perfeitamente em uma mochila. Agora elas já podem, pelo menos, ser carregadas por nós, em nossos próprios ombros! Agüenta-se o peso!
A vida passa e as mochilas seguem nos acompanhando...acampamentos, viagens, trilhas, casas de amigos, namorados, praias, serra, mato, rua e muitas mochilas, mochilas, mochilas. Mochilas têm esse quê peculiar de descompromisso. Não são tão pesadas, que não possam ser carregadas para um lado e para outro, e nem tão leves, que não contenham o peso das coisas que se fazem necessárias para uma subsistência temporária.
E assim as mochilas nos acompanham. Com elas nas costas vemos montanhas, rios, mares, areias, cabanas, árvores. Com elas desbravamos paisagens sem nos assentarmos, apenas de passagem. Paisagens de passagem. Há até aqueles que gostam de comprar etiquetas e costurá-las nas lonas das mochilas, como lembrança e como forma de pregar a marca que cada local lhes deixou. A cada partida a mochila se vai, às vezes mais leve, com coisas que deixamos ou esquecemos, às vezes mais pesada, com coisas que ganhamos ou adquirimos.
Acredito, porém, que, em determinado momento, uma paisagem, dentre as tantas outras que já vimos nas andanças, se destaque. Chegamos numa encosta, ou numa praia, ou na serra...cada um chega em um destino que se sobressai aos demais. Chega-se com a intenção de ficar pouco tempo. Chega-se com a intenção de conhecer mais daquele lugar, mas de passagem. Só que algo nos captura. Algo de diferente acontece que nos faz ter vontade de desfrutar uns diazinhos extras.
De repente o verão se vai e não temos mais roupas na mochila. Mas não queremos ir embora do tal lugar antes de ver como é o outono, como são as folhas douradas caídas pelo chão...mas precisamos de roupas de meia estação. Damos um jeito de consegui-las e, assim, desfrutamos do outono em todo seu brilho ensolarado. E não se sabe bem qual o encanto que faz o outono terminar e a vontade de ver o inverno surgir. A paisagem parece ficar mais fascinante a cada dia, ela se modifica e captura nosso desejo de ali estar. Por que não ver o branco do inverno também? Por que não um cobertor, uma xícara de chá e umas meias quentes para ver e sentir o inverno passar? Afinal, para quem já ficou mais tempo do que pretendia, um inverno a mais não fará tanta diferença! Vai-se o inverno... mas depois de ver tudo isso, deixar as flores chegarem sem admirá-las? Deixar de sentir o aroma, de ver as formas, cores e texturas? Deixar tudo isso assim? De repente? Para quem já ficou e foi ficando, uma primavera a mais não vai fazer diferença...um casaquinho, um lenço no pescoço e lá vamos! Quando percebemos já estamos nos vislumbres do verão novamente...e a vontade de ir embora não chega nunca! Quando olhamos para a mochila, ela já está cheia, estufada e, ainda por cima, rodeada de roupas e apetrechos que não mais cabem em seu espaço interno. Que se passa, afinal?
Talvez essa seja a hora de se ter uma mala!

Sobre homens, mulheres e mesas de centro!


E então a mesinha de centro saiu do centro, graças a um ato de coragem da mulher! Ao chegar em casa em dia de jogo, via sempre seu marido com mais dois amigos atirados no sofá, cabeças nas almofadas e pés na mesa. Não havia, de fato, mais serventia para a tal mesa no centro da sala, a não ser estampar marcas de copos de cerveja e de chutes - estes dados a cada impedimento marcado nos jogos de futebol da TV.
-
O que houve? – fala ela em tom baixo.
-
Cara de pau...comprado! Deu impedimento...imbecil...
Mas ele não estava falando com ela, precisamente, e sim com uma entidade masculina personificada em sua mente. Ela não entenderia a fúria dele devido ao impedimento. Pior! Ela não entenderia um impedimento!
-
Tu não precisava chutar a mesinha...
-
Eu não chutei! Olha lá aquele maldito...é muito ruim este cara, muito ruim...como é que um incompetente desses pode apitar...!
-
Sim, tu chutou...
-
Tá, agora não quero falar da mesinha, pode ser?
- (...) Por isso eu queria colocar ela no canto... (ainda em tom baixo...e sério)
- ... (fingiu que não ouviu!)
Mas pensou: por que ela não pode simplesmente ficar quieta na hora do jogo? Por que tem que ficar falando, cobrando, não consegue prestar a atenção?! Antes o Marcão e o Souza pudessem ter se livrado das mulheres e vindo aqui para ver este jogo comigo...
-
Ta lá...goooool! FDP...eu sabia que esse cara tinha estrela...sabia!
-
No último jogo eu ouvi vocês xingando ele...é o mesmo?
-
Xingando não...ele tava podre mesmo, lesionado, não estava rendendo tudo o que podia...
-
Ah...
Ele pensou, de novo, pois não ousaria falar nada para ela enquanto aquele “Ah” estivesse no ar: - Meus Deus, que memória de elefante...tudo bem que eu xinguei o Ganso, mas ele mereceu naquela partida e...ah, droga!...por que ela não vai ao shopping com as amigas ao invés de ficar aqui fazendo estes comentários futebolísticos de mulher?
Ela também pensou, pois sabia que falar com ele naquele momento seria o mesmo que falar com uma porta: - Que droga este pé dele na minha mesa. Como é que não se dá conta que está marcando tudo, que fica feio. Não adianta falar! Como vou trazer visitas aqui com esta mesa horrorosa na sala? As gurias até já perceberam que estava feia. Que teimoso!
Naquela noite dormiram de bunda. Sabe quando um casal não está totalmente brigado, mas dorme de bunda? Pois é. Ele lá, para o seu lado, sem saber direito por que ela estava braba. Ela, para o lado oposto, indignada com a preocupação dele pela posição do time no tal Brasileirão e pelos jogos da série A, B, C...fosse lá o que isso fosse! Além disso, o Marcão e o Souza estavam sempre enraizados no sofá da sala quando ela chegava do trabalho nas quartas de noite. E o Zeca? O Zeca não estava nem aí para a sua mesinha. Tomou uma decisão! Tirou sozinha a mesa do centro. Mas não sem protestos...
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Por que a mesinha não está aqui? Por que tirar ela daqui agora?
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Por que vocês iam demolir com ela...
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Mas onde vou colocar os copos de cerveja?
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Não sei...
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E o Marcão? Ele assiste sempre com o pé aqui em cima e tem dado sorte ultimamente...
Ela pensou: - O que há entre os homens e o futebol que faz eles ficarem assim, insanos? E lá o pé sujo do Marcão dá sorte para alguma coisa neste mundo? Meu Deus! Além disso, a expressão de abandono do Zeca, em função da retirada de uma mísera mesa, era digna de drama mexicano!
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Eu vou por de volta tá? Depois a gente vê como faz...hoje é jogo importante...
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Faz como tu quiser, eu vou sair com a Ana. Ela disse que precisa comprar uma mesa de centro porque no último jogo o Marcão demoliu a deles. Deu um chute, talvez pensando que era a bola...
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Vou por de volta no Centro...tá bom?
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...
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Tá? Vou colocar! Depois a gente vê...
Parecia criança, dizendo ‘tá bom mãe? Vou por ali, tá? Depois eu arrumo tudinho de novo!’. Na verdade, ele tinha um certo temor quando ela não respondia nem braba e nem mansa...xingamentos eram sempre menos ameaçadores do que um silêncio em forma de descaso. Nestas situações o ditado era invertido – depois da calmaria, a tempestade! Ah, mas também não queria ficar pensando naquele assunto em dia de jogo! No universo masculino a melhor coisa para esquecer um problema é não lembrar que ele existe.
Ela, ao contrário, recorreu à Ana, pois no universo feminino os problemas se cultivam, em busca de significados ocultos:
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O Zeca tá demolindo minha mesa de centro...
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Da última vez que eu tive na tua casa vi que ela estava meio frouxa quando fui apoiar o prato de sobremesa...o que ele fez?
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Eles vão para lá ver futebol e chutam a pobre mesa como se fosse a bola, a cabeça do juiz, é patético!
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Eu já proibi o Marcão de assistir jogos lá em casa. Ele agora disse que vai na casa de um amigo...mas ele detonou minhas almofadas de ficar puxando os fios de linha e tirando as miçangas ao longo do jogo...
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Sim, ele agora vai lá para casa assistir com o Zeca...
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Ah éééé? Ele não me disse que ia pro Zeca...
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O Zeca tem todos os pay-per-view de futebol que existem. E ai de mim se implicar com isso! Pode ser motivo de separação, acho até que está no contrato de união estável!
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Homem é bicho engraçado...
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É que a mesa tem um simbolismo né, Ana?
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Sim claro, tem toda história do dia em que vocês ganharam e tal...parece que ele nem percebe isso...
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Claro! Foi o primeiro móvel da nossa casa quando a casa sequer existia. Eu adorava aquela mesa, queria muito comprar, mas ele não se decidia para ir morar junto, lembra? Daí minha mãe achou que dando uma mesa ele poderia sentir uma certa pressão sutil...e ela sabia que ele tinha paixão por mesas de centro, então era uma forma de agradar e ao mesmo tempo dizer ‘vamos lá, vamos nos mexer?’.
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É...ele tinha uma certa alergia a casar, mas o Marcão também. Tinha aquele monte de amigos solteiros dizendo: “bah véio, vai te prender, vai abrir mão da tua liberdade...comigo isso aí de casar não cola não...vou aproveitar a solteirice e tu devia fazer o mesmo...”
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É, ele foi enrolando até onde deu...teve a crise na bolsa, a gripe do frango, a fome na África...
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E a mesa ajudou?
-Um pouco...como eu não tinha espaço para guardar disse que teríamos que deixar no apartamento dele, que na época era de um quarto...a mesa ocupava toda a sala praticamente.
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Boa essa...
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Mas ele destroçou a coitada agora. Ela só serve para empilhar pé sujo e copo de cerveja...
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Eu sei, te entendo! É como se a mesa fosse uma representação de uma parte do relacionamento de vocês...ele nem dando bola e tu querendo arrumar...
Era tão legal sair com a Ana! Ela era psicóloga e sempre tinha esses lances esquisitos de ver mil significados nas coisas, mas entendia perfeitamente os sentimentos do mundo feminino...talvez mais por ser mulher do que por ser psicóloga...
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Sim...e ele não entende...
-
Eu sei amiga, eu sei...
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Mas agora resolvi ficar quieta...deixa ele se dar conta sozinho...
De volta ao doce (agora mais para azedo) lar:
-
Oi...
-
E ai amorzinho! Tudo bem?
-
É...
- (Ele beija estalado a testa dela)
Timão ganhou paixão...ganhou!
- Ah...(Ele realmente achava que ela ficaria feliz com aquela informação?)
-
...mas...que cara é essa?
-
Nada...
-
Hum...mas tu tá com um jeito estranho...
-
Nada, deixa...
-
Tu tá com bico...
-
Bico eu? Para Zeca, vai lá ver o retrospecto dos gols e os comentários finais vai...
-
Hum...
E nessa noite dormiram de bunda de novo! No dia seguinte ela foi trabalhar achando que o casamento estava em crise, porque ele não falava nada...sequer insistiu em saber o que ela tinha. Não pensava na mesa, não pensava nela, não pensava no que era importante para ela. Ana era a única que entendia isso. Ficou sem almoçar, pensando que a coisa era muito mais séria que um pé em cima de uma mesa. Passou em retrospecto toda a relação nos últimos tempos em comparação com o início e fez várias constatações que iam ao encontro de suas hipóteses. Sim! O Zeca não estava mais nem aí para a relação, para as coisas de valor do seu amor! Tanto que perguntou só uma vez como ela estava...e nem foi bem uma pergunta, pois já veio dizendo que ela estava bicuda! Era só o que faltava...não conseguiu perceber a sua parte no “bico” dela? Como era insensível!
-
Oi...como foi o dia negrinha?
- Bem. (seca, áspera, dura...odiava aquele jeito dele de ‘nada está acontecendo, negrinha’).
Ele sabia que não podia ficar muito em silêncio, mas não conseguiu pensar algo a tempo de evitar a frase que seguiu da sua boca bicuda...ela atacou:
-
Precisamos conversar...
Ele no fundo sabia que ia sobrar para cima dele. Aquele bico todo, era tudo muito suspeito.
-
Tem que ser agora?
- Sim né Zeca? (soltando fogo pelas ventas, e o bico aumentando – é possível constatar que o bico está para as mulheres assim como o nariz está para Pinóquio).
-
Mas o que houve?
-
Tudo Zeca...houve tudo! Tu nem dá mais bola para nossa relação, tu trata a mesa de centro como tu trata a mim...com descaso...
Ele sabia! Ele sabia que aquele começo não era nada promissor e que não conseguiria levantar do sofá antes de, no mínimo, uns 45 minutos. Se tivesse antevisto isso poderia ao menos ter feito xixi.
Ela seguiu em seu discurso-reclamação-choramingo e ele ali intacto, sem mexer um dedo, sem coçar o nariz. Está certo que ela começou a chorar uma hora, ele nem conseguia mais entender o que ela dizia ou onde estava querendo chegar, mas na hora do choro queria mais era sair correndo. Lembra apenas de ter ouvido o final:
- ...e tu não quer tirar a mesa de centro do centro! (em gritos lacrimejantes).
Ele não sabia muito o que falar, pois não tinha conseguido acompanhar o raciocínio simbólico até o fim, embora tivesse até certa curiosidade em saber de onde brotavam tantas idéias estapafúrdias de mesas simbolizando relacionamentos, mas pensou melhor e resolveu dizer só
“Tá bem querida, eu tiro. Não precisa ficar assim...”
Parece que depois houve um abraço, mais uns resmungos dela, umas palavras de alento dele, alguns beijos. Ele tirou a mesa do centro, arrumou outro lugar para por os copos de cerveja em dia de jogo, mas nunca entendeu a história do relacionamento deles e a mesa de centro. Ela gostou dos carinhos dele e achou ele mais atencioso depois, comentando com a Ana que achava que ele tinha percebido, de fato, que a relação estava ruim e estava se esforçando para mudar. Naquela noite ele viu o futebol e parece que não dormiram de bunda! Mas que às vezes eles se achavam mutamente insanos, Ah! ...isso era verdade!

A hora e a vez dos Sapos!


Dia desses ouvi a conversa de duas meninas de 13 ou 14 anos. Ouvi de bisbilhoteira mesmo. Na fila do supermercado, involuntariamente...ou não! As duas carregavam chocolates nas mãos, prontas para passar no caixa. Enquanto esperavam olhavam aquelas revistas que ficam próximas ao caixa: ‘Tititi’, ‘Quem’, ‘Capricho’ etc.
-{Que ridículo esses dois aqui...é óbvio que iriam se separar...}
-[É...tava na cara!]
-{Essa coisa de ‘felizes para sempre’ não existe! Não existe príncipe encantado!}
Por um momento fiquei em choque! Elas tinham uns 13 ou 14, 15 anos no máximo, mas falavam como se já tivessem passado pelas maiores agruras amorosas nos últimos 25 anos! Tudo bem que a precocidade é a tônica dos dias atuais, mas...acho que com 13 anos eu ainda achava que existiam príncipes encantados. Hoje em dia já é possível saber que até Papai Noel é mais real que um príncipe, mas com 13 anos eu não pensava assim!
Voltei para casa dirigindo, mas a frase da menina não me saia da cabeça. Em uma tentativa de acompanhar o pensamento dela, e abdicar do meu, fiquei conjecturando um príncipe encantado nos dias atuais e percebi que seria muito ridículo. Tive até pena do pobre nobre, por mais paradoxal que a expressão pareça.
Para começo de conversa a menina precisaria de um baile para conhecer o sujeito, pois ninguém jamais viu príncipe em festa Rave, né? Mas digamos que este fator não fosse o mais impossível de acontecer, já que de tempos em tempos as freqüentadoras das Raves colocam longos vestidos brancos bordados e dançam a valsa com os pais em bailes de debutantes, nos mais tradicionais clubes da cidade! Deixa para lá...
Bom, passemos à fase da primeira saída juntos. Já imaginaram o príncipe indo apanhar a moça em casa em seu belo cavalo branco? Ele teria que tentar sair antes das 18:30 do seu castelo (alguma possível loja de brinquedos), para não pegar a hora do rush na cidade. Depois deveria evitar as avenidas mais movimentadas, tentando caminhos alternativos, também congestionados, buscando evitar que o cavalo ficasse estressado com as buzinas, querendo sair a galope pelo meio dos carros. Também teria que cuidar da velocidade quando passasse em alguma avenida com radar móvel. Se fosse parado teria que entregar sua habilitação ao fiscal de trânsito:
-{Documentos do...do...do veículo e habilitação.}
-[O único documento que trago comigo é este, meu caro.]
O príncipe então entregaria um pergaminho com seu título de nobreza e a história de seu condado no reino, contando os feitos dele com seu cavalo.

-{Vou deixar o senhor seguir porque estamos preparando uma batida para pegar um carro roubado e um meliante foragido. Na próxima é multa e guincho!}
Além disso, sem rádio no cavalo, ou MP3, para se distrair, o príncipe acabaria dormindo, parado no mesmo lugar por tantos minutos, ou estressado, abdicando de sua pompa e sacando sua espada para duelar com algum motoboy que porventura viesse a incomodar seu cavalo querendo chegar mais rápido à sinaleira!
Passada esta etapa, finalmente chegaria no prédio da moça. Teria que passar por duas portas de ferro para se identificar e falar com o porteiro, pedindo que ele chamasse a donzela. Chegando na porta, ela subiria em sua garupa. Iriam felizes em direção a... onde vai um príncipe mesmo? Talvez a moça sugeriria um barzinho ou um lugar aconchegante da cidade. Em qualquer lugar, porém, o nobre teria dificuldades com o cavalo! Onde estacionaria o bicho? Parquímetro? Talvez... poderia pegar o ticket e colar com um pouco de cuspe no pelo do bichano. Ou quem sabe prender na crina com um clips. Há, também, a possibilidade de estacionar naqueles Safe Park...
-{Pode deixar a chave aí patrão!}
-[Chave?]
-{Opa...ah...só um minutinho porque nunca guardamos um cavalo...vou perguntar pro Silva.}
-[Muito agradecido por sua atenção...estou aguardando sua audiência com o Senhor Silva se encerrar para saber das deliberações finais...]
-{Ô Silvaaaa...seguinte...mané ali quer guardar o cavalo aqui...roupa estranha hein, mas tem uma gatinha na garupa...}
- Diz para o nobre aí que com bichos o valor aumenta...30 reais a primeira hora e mais 10 a hora adicional
-{Certinho patrão...por 30 barão a gente deixa o pangaré aqui por uma hora!}
-[Barão? Tenho apenas um pouco de ouro comigo...]
-{Ô chefia...beleza! Tá servindo também!}
Escolhido o bar, o pobre príncipe teria que beber um chope, ou uma Smirnoff Ice, acompanhando a moça. Talvez já estivesse até meio sonolento, pois seus bailes costumavam acabar à meia noite e já seriam mais de duas horas da manhã. Meio atordoado com tudo aquilo perceberia, também, que a moça sequer usava sapatos de cristal, mas sim uma bota gigante com um salto que mais lembrava a pata de seu cavalo. Até ficou com um certo medo daquilo...
A moça, por sua vez, também não estaria se divertindo com aquele cara meio esquisito, de sorriso eterno e todos os fios de cabelo perfeitamente alinhados no mesmo lugar. Mulher também não gosta de homem que fala tudo explicadinho, tem sono em plena meia noite de sábado e usa espada na cintura e mangas fofas na camisa...ah! Que sem graça! Também não haveria nenhum tipo de rusga entre eles? Briguinhas bobas? Discussões acaloradas porque ele queria ver o futebol ou a Fórmula 1 na TV, antes de sair para algum lugar e ela não queria esperar? Que chatice! O príncipe sequer teria time de futebol!
Assim, tive que concordar com a menina de 14 anos e, de certa forma, agradecer pela constatação prematura dela de que príncipes encantados não existiam. Tudo bem que Ogros também não parecem ser uma alternativa viável, mas senti um pouco de saudades do bom e velho sapo para o qual nunca dei bola quando lia as histórias infantis. Talvez eles fossem interessantes! Concluí então que é preciso procurar um sapo, entre príncipes e Ogros o único ser real! Mulheres! Esqueçam os príncipes...voltem-se aos brejos!

Comprando auto-ajuda!


Acho curioso e extremamente instigante o fato de ficar parada em frente a uma livraria. Não qualquer livraria, mas aquelas que vendem revistas também...papelaria, tudo junto. Estes dias estava saindo do cinema, dando uma volta pelo shopping e parei em frente a uma vitrine de livros e revistas. O fato curioso é que havia aproximadamente três fileiras de prateleiras divulgando livros de auto-ajuda. É incrível! Os títulos variam, temos para todos os gostos. Pai rico, pai pobre, pais brilhantes, professores fascinantes, como vencer nos negócios, quem mexeu no meu queijo, mulheres ricas e independentes, e por aí vai...sempre seguindo esta fórmula de título atraente (embora isto seja bastante questionável). Naquele momento, eu queria poder falar com alguém sobre o que me ocorria na cachola...como será que nossos antepassados viviam? Pobres das minhas avós ou bisavós, que tinham que aprender tudo...será que era menos complicado do que hoje em dia?
O fato é que elas aprendiam...aprendiam a lidar com os fatos! Fatos da vida. Algo que, para nós e em nossa sociedade atual, parece algo muito difícil. Assim, recorremos a fórmulas de sucesso, de amor, de emagrecimento. As pessoas devem se perguntar: ‘se alguém conseguiu e escreveu um livro sobre seu sucesso, por que não eu? Por que não eu? Também quero experimentar, também quero tentar, posso conseguir como ele, posso ser bem sucedido como pai, professor, amigo, amante, etc, etc, etc’. Nossa sociedade estimula e propicia este tipo de proliferação. E assim acabamos com as individualidades, pois vamos querendo imitar o outro, seguir uma fórmula de sucesso que não foi feita por nós, não tem nosso tamanho, pode não nos servir. E assim também desistimos de ir em busca da nossa própria maneira de fazer as coisas, de tentar coisas que tenham mais a ver conosco, a nossa própria verdade. Fica um consumo de sucesso que não sai do senso comum. Nunca tive paciência para ler tais livros e pode parecer muita prepotência querer julgá-los sem nunca tê-los lido, mas é que os títulos, por si só, já me causam certa repulsa, são meio reducionistas, digamos.
Não há dúvidas de que muitas pessoas ao lerem as dicas e conselhos dos livros possam até vir a se sentir ajudadas, e isso até é positivo, mas lamento o fato de que para isso tiveram que consumir um texto lugar-comum, ao invés de buscarem sua própria verdade. Parece que queremos varinhas mágicas! Eu tenho estes ímpetos também...confesso! Uma vez até pensei em comprar um livro que falava no pensamento positivo para atingir o que quer que fosse...acho que eu teria uma prova seletiva no dia seguinte! Mas não caí na tentação de querer milagres ou pó mágico. Fui para casa estudar! Se for possível ter tudo o que queremos de uma maneira rápida, fácil e indolor, por que não tentar? A resposta pode parecer dura, mas na vida não vamos conseguir muitas coisas de modo fácil, rápido e indolor. Precisamos abrir mão da posição anterior em que nos encontrávamos para evoluirmos, e isto implica saber conviver com tropeços, e, sobretudo, encarar as frustrações e limitações que são impostas pela realidade, sem que nada possamos fazer para mudar. Podemos, sim, mudar nossa forma de encarar os tropeços.
A busca pelo sucesso, pela perfeição, pela riqueza, nos dias de hoje, é muito atraente. Sonho de menina é ser modelo...mas pare aí! Não qualquer modelo, mas ‘A modelo’, uma segunda versão da Gisele Bündchen, ou uma substituta dela, de preferência!! Exigimos tanto de nós, e dos outros, mas somos ainda tão fracos para tolerar as esperas, os obstáculos. Os que não se deixam ficar atirados no chão ao primeiro tropeço seguem em frente...alguns recorrem aos livros de auto-ajuda, buscando ver como as coisas devem ser feitas, qual a fórmula devem seguir...outros vão por tentativa e erro, outros ainda, ponderam mais, ficam ressabiados.
Quando eu era pequena queria ser apenas caixa de supermercado. Aqueles botõezinhos da caixa registradora exerciam um grande fascínio em minha pessoa (e acredito em tantas outras crianças)! As caixas tinham que digitar todo o preço (incluindo os dígitos 00 ou 000, quando o artigo custava mais de mil cruzeiros, cruzados, cruzados novos...enfim!). Hoje é bem mais rápido, com códigos de barra. Hoje é bem mais fácil ser caixa, além do que se evita muita LER. Mas quando eu era pequena eu via que depois de digitarem de forma surpreendentemente rápida, elas ainda carimbavam os cheques...isso era meu deleite final! Como eu queria ser caixa de supermercado! Podia ser caixa de banco também, mas não seria tão divertido. Hoje em dia, creio que eu seria uma criança ET se dissesse isso. Não tem, de fato, muito mais graça nas pequenas burocracias do cotidiano! Os sonhos estão mais altos, já desde a infância. E, para lidarmos com as frustrações advindas de uma talvez improvável realização imediata de tais sonhos, voltemos à livraria! Vamos aos livros de auto-ajuda! Sem preconceitos, cada um que encontre a sua melhor forma de se auto-ajudar, mas eu ainda acredito que se cada um de nós se dispusesse a fazer sua própria fórmula sob medida, teríamos soluções mais criativas, perenes e autênticas...um pouco na contramão da massificação subjetiva!