domingo, 19 de julho de 2009

Descaminhos...


Fazia um breve tempo que estavam saindo. Gostavam de estar juntos e o tempo que compartilhavam era peculiar. Um tempo único, talvez até uma parada no tempo, no qual nada mais havia...apenas eles, beijos e a vontade daquele instante. Saiam apenas, e era isso! Sem promessas, sem ontem e, também, sem amanhã. Simples assim. Nem lembravam bem, ou sequer sabiam, o que os havia unido. Talvez gostos em comum, músicas, uma dança...talvez nada disso. Quem sabe justamente as diferenças, aquelas coisas que um tem e o outro não, que um faz mais e o outro menos, que um carece e o outro tem de sobra? Mas nada disso importava, a não ser o fato dos instantes que estavam juntos. Estes se sucediam. Entre os instantes não precisava haver nada. Nada havia. Os instantes em si é que eram apreciados.

O tempo, sempre ele, foi passando. Aqueles breves instantes foram se assentando de formas diferentes para cada um deles. O que antes era fácil de entender passou a ficar um tanto difícil. Não se pode, de fato, reproduzir os instantes por um longo tempo sem que isso tenha uma repercussão. Assim, já não sabiam mais se de instantes seguiriam, sem ontem nem amanhã, ou se isso incomodava. Não tocavam no assunto. Os fatos objetivos e concretos que os unira ainda poderiam ser vislumbrados ali: a música, alguns gostos, alguns jeitos, as risadas, as implicâncias provocativas que aproximavam-nos. Mas o tempo introduziu, não se sabe em qual deles, a vontade de sentir menos instantaneamente os outros fatores...o cheiro, o sorriso, a pele, a voz, o toque, o frio na barriga. Breves instantes pareciam bons, mas não eram mais suficientes. E o amanhã? E o ontem? A vontade de que os instantes ocorressem mais freqüentemente foi crescendo...não se sabe se nele ou nela. Mas não se falavam. Não sabiam se a recíproca era verdadeira, se encontraria eco no outro, se desejavam as mesmas coisas. Talvez não.

Os contatos se afastaram na tentativa de fazer prevalecer os instantes. Mas nada parecia estar igual. Como saber? Nenhum falaria, nenhum queria falar. Só que as ações são traiçoeiras e falam mais que palavras, muitas vezes. Muitas vezes, sozinhas, falam errado, comunicam distorções. Não se sabe se ele ou ela começou a ficar com receio de demonstrar o que realmente sentia. Melhor era deixar assim. Quieto. As pequenas tentativas de mostrar uma faísca de verdade do que era sentido, muito sutilmente, não haviam sido bem sucedidas. Nunca souberam se a recíproca era verdadeira. Poderia não ser, e isso certamente doeria. Aparentemente não era. Aparentemente. Não era. Era? Não se sabe se ele ou ela pensou que seria melhor evitar a dor. Recolheram-se.


Não existe fim...existem reticências. História comum, lugar comum...história de qualquer um. História que se repete, mais para uns, menos para outros. Finais diversos. Depende. Como diz a frase: a vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida. Pode haver reencontros também. Assim é. Pena que não se falaram, pena que, não se sabe se ele ou ela, ficou com a sensação de não ter sido bem recebido ao demonstrar o que sentia. Pena que recuaram. Recuaram? Ou não. No fim ainda as reticências... e Clarice Lispector:

“Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos”.

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